Usualmente, a toxoplasmose é considerada inofensiva para uma mulher não grávida, mas é potencialmente prejudicial durante a gravidez, especialmente no primeiro trimestre. Uma das principais consequências da infecção por em mulheres grávidas é a transmissão vertical para o feto. As mulheres grávidas que adquirem a infecção pelo geralmente permanecem assintomáticas, embora ainda possam transmitir a infecção aos fetos, com consequências graves. A toxoplasmose congênita pode causar doenças neurológicas ou oculares graves (levando à cegueira), bem como anomalias cardíacas e cerebrais. O cuidado pré-natal deve incluir a educação sobre a prevenção da toxoplasmose e exames de rastreamento.
Although toxoplasmosis is usually considered harmless for a nonpregnant woman, it is potentially harmful for a pregnant woman, especially in the first trimester. One of the main consequences of infection in pregnant women is vertical transmission to the fetus. Although pregnant women who acquire infection usually remain asymptomatic, they can still transmit the infection to fetuses with serious consequences. Congenital toxoplasmosis can cause serious neurological or eye disease (leading to blindness), as well as cardiac and brain abnormalities. Prenatal care should include awareness about the prevention of toxoplasmosis and routine screening.
A toxoplasmose é uma doença causada por um protozoário intracelular obrigatório, o
Quando essa infecção é adquirida pela primeira vez durante a gestação, pode haver transmissão para o feto de forma hematogênica, através da placenta. Nos Estados Unidos, é estimada a incidência de infecção primária aguda em duas a cada 10 mil mulheres grávidas1. Já no Brasil, a incidência varia entre quatro e dez por 10 mil gestantes2.
Quanto mais madura for a placenta, mais fácil será a passagem do parasita através dela, portanto o risco de infecção fetal aumenta com a idade gestacional. Na 6ª, 18ª e 30ª semanas de gestação, o risco de infecção fetal é de 2,2, 23 e 56%, respectivamente3. Entretanto, a frequência de sequelas graves para o feto é maior quando a infecção ocorre no início da gravidez, reduzindo-se ao longo da gestação4,5.
O risco de abortamento em mulheres que adquirem a infecção durante a gestação é de aproximadamente 0,5%. Em gestações com infecção fetal comprovada, o risco de morte fetal é estimado em 1,3 a 2%6.
A fonte de infecção materna pode ser a ingestão de bradizoítas contidos em carnes cruas, mal-assadas e curadas ou a ingestão de esporozoítos no consumo de água contaminada ou frutas ou vegetais mal lavados.
O acompanhamento pré-natal adequado, que inclui pesquisa sorológica e orientações às gestantes suscetíveis, permite prevenção e tratamento adequado e precoce em caso de infecção, evitando, assim, desfechos fetais mais graves.
A infecção materna aguda geralmente é assintomática (≥80% dos casos) e o diagnóstico dá-se por meio de pesquisa sorológica seriada, idealmente iniciada no período pré-concepcional.
A realização sistemática de rastreamento de anticorpos imunoglobina G (IgG) e imunoglobina M (IgM) para
Se o rastreamento for realizado no período pré-concepcional ou no primeiro trimestre de gestação, anticorpos IgM negativos e IgG positivos indicam imunidade prévia, não sendo necessário teste de confirmação ou manutenção do rastreamento para essa paciente3.
Realizar o diagnóstico de toxoplasmose adquirida na gestação nem sempre é simples. A soroconversão pela confirmação, em duas amostras de soro colhidas em um intervalo de duas semanas, de que a paciente que era IgG e IgM não reagente se torna IgG e IgM reagente é a situação de diagnóstico mais fácil, porém não é a mais frequente.
A situação mais observada é a gestante com resultado de uma sorologia IgG e IgM reagente no primeiro ou segundo trimestre de gestação, sem sorologia comparatória anterior. Nesse caso, é importante determinar se a infecção ocorreu antes da concepção ou durante a gravidez.
Os anticorpos IgM são detectados precocemente e podem permanecer positivos por até um ano após a infecção aguda. Assim, para estabelecer se os anticorpos IgM e IgG positivos detectados no início do pré-natal refletem infecção recente, passada ou um resultado falso-positivo (reação cruzada com outros anticorpos IgM circulantes), deve-se solicitar o teste de avidez de anticorpos da classe IgG8.
Os anticorpos da classe IgG surgem após duas semanas do início da infecção, atingem o pico com seis a oito semanas e persistem por período indefinido8. A avidez de IgG auxilia na diferenciação de uma infecção recente de outra adquirida há algum tempo, uma vez que a afinidade do anticorpo pelo antígeno tende a aumentar com o intervalo de tempo. Dessa forma, a presença de alta avidez, superior a 60%, permite definir que a infecção ocorreu há mais de quatro meses. Já a baixa avidez, inferior a 30%, não faz diagnóstico preciso de infecção recente, já que ela pode persistir por anos em algumas mulheres9.
Outro fator a ser considerado para o diagnóstico de infecção provável recente é o aumento de duas vezes ou mais no título de IgG em relação a duas amostras sequenciais obtidas com três semanas de intervalo, testadas simultaneamente no mesmo laboratório e com a mesma técnica.
A interpretação das sorologias durante o pré-natal (
É recomendado que se inicie o tratamento de gestantes com diagnóstico de toxoplasmose recente ou provável o mais rápido possível, mesmo em pacientes que ainda aguardam para repetir sorologia ou realizar amniocentese. O tempo de transição da forma infecciosa aguda de taquizoíta do parasita, que é responsável pela destruição do tecido no cérebro fetal, para a forma bradizoíta latente, contida nos cistos teciduais, é clinicamente importante porque os cistos não são suscetíveis a antibióticos. Esse tempo (normalmente menor do que três semanas a partir da soroconversão) é considerado a “janela de oportunidade” terapêutica para se prevenir ou reduzir o dano neurológico fetal3.
Ao se diagnosticar a soroconversão para toxoplasmose, sendo esta comprovada ou suspeita, deve-se encaminhar a paciente para um centro de referência e iniciar tão logo o tratamento. A investigação inicial fetal por meio da ultrassonografia é prontamente recomendada.
A escolha do tratamento varia de acordo com o centro de referência e é baseada na idade gestacional no momento do diagnóstico. Em geral, a espiramicina é recomendada para mulheres cujas infecções foram adquiridas e diagnosticadas antes de 18 semanas de gestação e a infecção do feto não foi documentada ou suspeitada na avaliação ultrassonográfica. A espiramicina atua reduzindo a transmissão ao feto e é mais eficaz se iniciada nas primeiras oito semanas após a soroconversão10. Com 18 semanas de idade gestacional se realiza a amniocentese para pesquisa de reação em cadeia da polimerase (PCR) para
Já em pacientes com conversão sorológica a partir da 18ª semana de gestação, existe uma tendência em se optar por iniciar diretamente o esquema tríplice com pirimetamina, sulfadiazina e ácido folínico até o resultado da amniocentese, porém a espiramicina continua sendo uma opção e recomendada em alguns serviços. Caso o PCR venha positivo, mantém-se o esquema tríplice até o parto. Todavia, se o PCR no líquido amniótico vier negativo e a ultrassonografia fetal estiver normal, alguns serviços optam por manter o tratamento tríplice em vez da espiramicina considerando ainda existir um risco de transmissão placentária após a amniocentese11.
Em qualquer caso de conversão sorológica para toxoplasmose durante a gestação, mesmo quando não ocorre a confirmação de infecção fetal por meio do PCR do líquido amniótico, é recomendado o acompanhamento ultrassonográfico mensal com especialista. Caso se encontrem alterações sugestivas de infecção congênita na ultrassonografia, o tratamento tríplice com pirimetamina, sulfadiazina e ácido folínico está indicado até o parto12,13. Gestantes em tratamento com o esquema tríplice devem acompanhar com hemograma e contagem de plaquetas semanalmente.
O cuidado pré-natal deve seguir a rotina de exames e consultas, incluindo seguimento ultrassonográfico e tratamento quando indicado (
Fonte de financiamento: nenhuma.
Autor correspondente: renatosa.uff@gmail.com
Received: 10/06/2021
Accepted: 28/10/2021