EDITORIAL
SARS-CoV-2/COVID-19 e gravidez: desfechos previsíveis

SARS-CoV-2/ COVID-19 and pregnancy: predictable outcomes

Mauro Romero Leal Passos, Renato Augusto Moreira de Sá

2020
Vol. 130 - Nº.01
Pag.02 – 03

Em dezembro de 2019, quando os casos de uma nova doença deixavam a China com sérios problemas em saúde pública, começamos a ler com preocupação o que lá acontecia.

Em janeiro de 2020, então, resolvemos pesquisar na internet um pouco mais, para tentar entender o que poderia vir a acontecer com as gestantes.

Não encontramos, naquela época, nada sobre o novo coronavírus e gravidez, contudo havia artigos sobre a síndrome respiratória do Oriente Médio causada por coronavírus (MERS-CoV).

Nem as designações da nova doença ainda estavam plenamente definidas. Todavia, antevendo o que viria a acontecer, publicamos por meio digital e em redes sociais o texto que reproduzimos a seguir1.

CORONAVÍRUS E GRAVIDEZ

Gestantes devem ficar preocupadas? Sim, porém, de modo geral, as grávidas que vivem hoje no Brasil, que não pretendem viajar para as áreas onde o número de casos está grande e aumentando e que não tenham contato direto com pessoas recentemente chegadas dessas regiões não devem se preocupar mais do que devem ficar atentas com a gripe.

Durante a gravidez, partes do sistema imunológico ficam deprimidas, o que torna as gestantes mais susceptíveis às complicações de vários agentes infecciosos como gripe e varicela.

As mulheres grávidas, por exemplo, têm quase 3,5 vezes mais chances de acabarem no hospital por causa da gripe do que as mulheres não grávidas, de acordo com estudo de Namrata Prasad et al.2.

Assim, faz todo o sentido que uma mulher grávida esteja em maior risco de complicações por coronavírus do que uma mulher não gestante. Todavia, pelo menos por enquanto, no Brasil, como em outros países, como os Estados Unidos, o risco é muito pequeno3.

Por outro lado, cabe sempre ficar atento às situações que podem surgir a qualquer momento, e cabe ao médico assistente trabalhar em parceria com colegas de outras especialidades e coletar materiais para diagnóstico das possíveis etiologias. Isso envolve exames por técnicas de biologia molecular. Nesse sentido, conversar com profissionais dos laboratórios de análises clínicas que atendem os seus pacientes previamente é a rotina mais básica, pois ter os frascos para a coleta à disposição e conhecer as rotinas de pedido de exames, acondicionamento e remessa, por exemplo, podem fazer grande diferença para mais efetividade nos diagnósticos de doenças infecciosas.

Nunca é demais frisar que os diferentes agentes infectocontagiosos possuem características/poderes de transmissibilidade distintos.

O exemplo do relato de caso de Asim Malik et al.4 com gestante de 32 semanas atendida em Abu Dhabi, Emirados Árabes Unidos, em 2013, mostra a importância do que citamos anteriormente. No caso em questão, no primeiro atendimento de gestante com febre e dores nas costas de quatro dias de duração, a hipótese diagnóstica inicial foi infecção do trato urinário. Três dias depois, a paciente retornou ao atendimento médico com tosse e falta de ar, internada com suspeita de pneumonia adquirida na comunidade.

As amostras de aspirado nasofaríngeo foram testadas para o vírus influenza A (H1N1) pdm09 e MERS-CoV por reação em cadeia por polimerase (PCR) de transcrição reversa em tempo real, e vários outros testes laboratoriais e de cultura foram conduzidos. A maioria produziu resultados negativos. Três dias depois da internação (seis dias do primeiro atendimento), contudo, o laboratório regional relatou que os resultados de PCR do MERS-CoV eram positivos. Os testes de laboratório foram realizados por ensaio qualitativo, usando o coronavírus humano (Erasmus University Medical Center) de 2012. Esse ensaio contém reagentes e enzimas para amplificação específica da região a montante do gene do envelope no genoma do CoV4.

A paciente gestante evoluiu com choque séptico e óbito em uma semana.

A pneumonia por MERS-CoV desenvolveu-se no marido da paciente, mas ele não tinha outra condição debilitante e evoluiu para cura após uso de medicamentos próprios para a infecção. O marido informou, posteriormente, que ele e a esposa haviam visitado uma fazenda de gado (cabras, ovelhas e camelos) 10 dias antes de ficarem doentes, mas não consumiram carne ou leite de camelo. Além disso, uma tosse leve sem febre ou outros sintomas se desenvolveram no filho de 8 anos do paciente. O teste MERS-CoV PCR do aspirado nasofaríngeo do menino foi positivo. Ele se recuperou sem intercorrências nem intervenção. O irmão mais novo e o recém-nascido permaneceram assintomáticos e apresentaram resultado negativo para MERS-CoV4.

Os autores desse relato de caso concluíram que as mulheres grávidas que procuram atendimento médico para pneumonia, doença semelhante à gripe ou sepse na Península Arábica podem se beneficiar da triagem do MERS-CoV para garantir diagnóstico e tratamento precoces dessa doença às vezes fatal. A resposta imunológica e por quimiocinas à infecção precisa ser examinada de perto para ajudar a definir o potencial papel terapêutico dos agentes anti-inflamatórios nessa doença.

A infecção por MERS-CoV e a gravidez foram uma combinação fatal nesse caso. A morte ocorreu, apesar do tratamento com regime combinado de ribavirina e interferon e apesar da eliminação do derramamento de vírus e evidência radiográfica de melhora na morte. Portanto, esse regime precisa ser mais estudado em pacientes grávidas com infecção por MERS-CoV.

Em outra publicação, Abdullah Assiri et al. relataram cinco casos na Arábia Saudita5. Na introdução, os autores citaram publicações anteriores de mulheres grávidas infectadas com MERS-CoV, incluindo relatos de um natimorto na Jordânia6, uma morte materna nos Emirados Árabes Unidos4 e uma doença materna grave com a sobrevivência da mãe e do bebê na Arábia Saudita7.

Os autores descreveram que, entre 1.308 casos relatados de MERS-CoV, cinco foram documentados pelo Ministério da Saúde da Arábia Saudita como ocorrido em grávidas. Três casos foram da cidade de Riade, e os outros dois foram em Meca e Unaizah (região de Qasim). A idade das pacientes variou de 27 a 34 anos, todas as gestações ocorreram no segundo ou terceiro trimestre, e duas pacientes/gestantes eram profissionais de saúde. Duas das cinco pacientes (40%) morreram durante a doença. Entre as cinco gestações, duas (40%) resultaram em morte perinatal: uma gravidez resultou em morte fetal intrauterina e um bebê morreu 4 horas após o parto cesáreo de emergência5.

Atualmente, é o novo coronavírus (2019-nCoV) que está causando um grande número de casos de infecções respiratórias, inclusive com mortes, especialmente na China, mas já com casos relatados em Taiwan, Japão, Coreia do Sul, Tailândia, Malásia, Cingapura, Arábia Saudita, Austrália, França, Alemanha, Canadá e Estados Unidos, com grande potencial de se tornar uma pandemia.

Até agora, 27 de janeiro de 2020, não recuperamos publicações em periódicos científicos de relato de doença por 2019-nCoV em gestantes. Todavia, havendo evolução da epidemia, logo casos envolvendo mulheres grávidas aparecerão.

Assim, vale ficarmos todos atentos para diagnosticar tais casos o mais rápido possível e iniciar a terapêutica correta com os apropriados métodos de controle de disseminação da infecção. Ainda, precisamos lembrar que as pessoas que vivem com algum tipo de imunossupressão, como transplantadas, em quimioterapia, que vivem com o vírus da imunodeficiência adquirida (HIV) e gestantes devem receber mais do que nunca a melhor e mais rápida atenção médico-sanitária, pois, como já dissemos, nessas populações os desfechos são, em geral, mais severos e graves, incluindo mortes.

Conflict of interests

Os autores declaram que tiveram participação ativa e similar, embora a ideia inicial tenha partido de Mauro Romero Leal Passos.

Affiliation

Comissão de Ginecologia da Associação de Ginecologia e Obstetrícia do Rio de Janeiro. E-mail: maurodst@gmail.com
Associação de Ginecologia e Obstetrícia do Rio de Janeiro. E-mail: renatosa.uff@gmail.com

REFERENCES

1. Passos MRL, Sá RAM. Coronavírus e Gravidez [Internet]. Santa Catarina: Sociedade de Obstetrícia e Ginecologia de Santa Catarina; 2020 [acessado em 30 mar. 2020]. Disponível em:
2. Prasad N, Huang QS, Wood T, Aminisani N, McArthur C, Baker MG, et al. Influenza-Associated Outcomes Among Pregnant, Postpartum, and Nonpregnant Women of Reproductive Age. J Infect Dis. 2019;12:1893-903. Disponível em: https://doi.org/10.1093/infdis/jiz035
3. Levine H. What Parents Need to Know About Coronavirus. The New York Times [Internet]. 2020 [acessado em 30 mar. 2020]. Disponível em: https://parenting.nytimes.com/childrens-health/coronavirus-children-pregnant-women
4. Malik A, El Masry KM, Ravi M, Sayed F. Middle East Respiratory Syndrome Coronavirus during Pregnancy, Abu Dhabi, United Arab Emirates, 2013. Emerg Infect Dis. 2016;22(3):515-7. https://dx.doi.org/10.3201%2Feid2203.151049
5. Assiri A, Abedi GR, Al Masri M, Saeed AB, Gerber SI, Watson JT. Middle East Respiratory Syndrome Coronavirus Infection During Pregnancy: A Report of 5 Cases From Saudi Arabia. Clin Infect Dis. 2016;63(7):951-3. https://doi.org/10.1093/cid/ciw412
6. Payne DC, Iblan I, Alqasrawi S, Al Nsour M, Rha B, Tohme RA, et al. Stillbirth during infection with Middle East respiratory syndrome coronavirus. J Infect Dis. 2014;209(12):1870-2. https://doi.org/10.1093/infdis/jiu068
7. Alserehi H, Wali G, Alshukairi A, Alraddadi B. Impact of Middle East respiratory syndrome coronavivrus (MERS-CoV) on pregnancy and perinatal outcome. BMC Infect Dis. 2016;16:105. https://doi.org/10.1186/s12879-016-1437-y
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